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Mudança no Porto de Santos acende alerta após explosões no Líbano

6 de agosto de 2020

Especialistas apontam riscos de proximidade com a cidade de terminal onde haverá movimentação de produtos usados para produção de fertilizante, como nitrato de amônio.

A tragédia que atingiu o porto de Beirute, no Líbano, na última terça-feira (4/8), com uma explosão no porto que deixou até o momento 135 mortos e mais de 5 mil feridos, acendeu alerta sobre situação do porto de Santos, maior da América Latina. O novo Plano de Desenvolvimento e Zoneamento (PZD) foi aprovado pelo governo federal no último dia 28, passando a prever que um terminal muito próximo à cidade centralizará a movimentação de substâncias usadas na produção de fertilizante – como o nitrato de amônio que, segundo apontado, seria responsável pela explosão no Líbano.

O novo PZD agora prevê no terminal Outeirinhos a destinação de armazenamento e movimentação de granéis sólidos minerais (preferencialmente fertilizantes). No local também haverá transporte de granel sólido vegetal (como açúcar, por exemplo). A ideia de centralizar no mesmo espaço é aumentar a capacidade de recepção de fertilizantes e adequar a infraestrutura para atender o transporte ferroviário.

Professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Rui Carlos Botter explica que os vagões iam cheios de açúcar, mas voltavam vazios. A ideia é limpar os vagões e abastecê-los com os produtos usados para fertilizantes, aproveitando a ida e volta. O problema é que o terminal em questão fica muito próximo da cidade – basta atravessar uma avenida.
Botter afirma que o novo PZD tem um argumento forte de melhorar o transporte ferroviário, com um apelo de diminuição de carga de poluentes, melhor distribuição, mas por outro lado traz um produto perigoso para muito mais próximo da cidade. Até então, há dois terminais que fazem a movimentação dos compostos, e ficam mais distantes.

“O plano não discute os aspectos de risco que podem ser trazidos para Santos. Isso deve ser alvo do governo ou das autoridades ambientais, que devem solicitar ao terminal de que isso seja muito esclarecido por meio de uma análise de risco detalhada, com a participação da sociedade santista. Vai haver necessidade de ficar mto bem detalhado”, diz.

O engenheiro e diretor da Faculdade de Engenharia da Universidade Santa Cecília (Unisanta), Aureo Emanuel Pasqualeto Figueiredo afirma que os dois terminais hoje que manuseiam os produtos usados para produção de fertilizantes ficam longe de Santos. Com a centralização em um terminal, o risco de uma explosão seria o mesmo de hoje, no entanto, ele ressalta: “O dano que ele poderia causar em um local remoto é menor do que se for em Outeirinhos, que tem um bairro ao lado e terminal de passageiros. É uma temeridade”, opina.

Químico e doutor em saúde pública pela USP, Silvio José Valadão Vicente ressalta os riscos de se concentrar os produtos próximos à cidade. “Concordo com a ideia de cluster, mas não ao lado da cidade”, afirma. Ele frisa que o nitrato de amônio “reage violentamente” quando em contato com outros produtos orgânicos, como açúcar ou óleo diesel, por exemplo, e o terminal receberá granel sólido vegetal.

Ele lembra que ao lado há também um terminal de passageiros, a cerca de 300 metros, com grande movimentação de cruzeiros, em especial aos finais de semana, o aumenta o potencial de dano em caso de um acidente. Vicente pontua que para acontecer uma explosão como no Líbano é preciso de uma série de erros operacionais, mas frisa que é possível: “Se existe risco, vamos evitá-lo”.

Professor do Instituto de Química da USP, Reinaldo Bazito explica que o fato de uma carga perigosa, como nitrato de amônio, ser manuseada no mesmo terminal que cargas de açúcar, não representa risco por si só. De acordo com ele, a substância não explode sozinha. Algo precisa provocar a detonação – como um incêndio, que gera alta temperatura por longo período.

De acordo com ele, qualquer material combustível, como açúcar ou farinha, precisa ficar segregado do nitrato de amônio, mas essa segregação pode ser em um mesmo terminal, por exemplo. O importante é que fiquem a certa distância para caso o açúcar pegue fogo, não aqueça o nitrato.

Para isso, ele fala sobre a necessidade de um bom estudo de risco, para esta análise, e explica:“Não vou empilhar um nitrato de amônio em cima do açúcar, porque se o açúcar pegar fogo, o estrago é grande”. Ele lembra que no porto de Santos já houve incidentes. Em 2013 e 2014, por exemplo, houve incêndios de grandes proporções em armazéns de açúcar.

Em nota, o Ministério da Infraestrutura afirmou que as operações de cargas nos portos “seguem normas de segurança aplicáveis ao manuseio e à armazenagem de carga, bem como a criteriosos padrões estabelecidos pelos órgãos ambientais”. Conforme a pasta,

o PDZ do porto de Santos foi elaborado e aprovado com base “em estudos técnicos que consideraram a melhor utilização logística do porto” e que não há que se falar “em qualquer risco adicional pela concentração da movimentação de fertilizantes na região de Outeirinhos”.

A Santos Port Authority (SPA), autoridade portuária, chama de “precipitado e inconsistente qualquer confrontação entre as condições existentes no Líbano e as verificadas nas operações e instalações com cargas deste gênero” em Santos. De acordo com a SPA, a movimentação de nitrato de amônio tem rigoroso monitoramento de temperatura e umidade, rotatividade dos volumes armazenados e é misturado a calcário, para dar maior estabilidade ao produto, além de não ser estocado por longos períodos.

Conforme a autoridade portuária, todos os terminais a serem implantados terão equipamentos da melhor tecnologia possível e acompanhados de sistemas de controle e monitoramento das operações e instalações. “Consideramos pertinente a preocupação, mas destacamos toda expertise e comprometimento com a segurança e meio ambiente verificadas neste que é o principal e mais bem aparelhado complexo portuário do país”, pontuou.

Disputa
Há questionamentos por parte de empresas sobre o novo PDZ. Além das questões de segurança, existe uma disputa em relação à concessão. Uma delas, por exemplo, é a operadora Marimex, cujo contrato expirou no primeiro semestre e não foi renovado. A empresa chegou a conseguir uma liminar, mas foi derrubada. O governo federal ressalta que possui prerrogativa para decidir se renova ou não.

A empresa opera um terminal justamente na região de Outeirinhos. Em abril, o governo informou que não iria renovar o contrato porque pretendia construir um ramal ferroviário no local, e onde tem como objetivo de centralizar os granéis sólidos minerais (principalmente fertilizantes) e vegetais. Na ocasião, o Ministério da Infraestrutura disse também que o novo terminal demoraria ainda 18 meses para ficar pronto, e que a empresa operaria de forma transitória.

A SPA comenta a situação em nota, de forma pontual. “Toda mudança certamente causa alguma turbulência, principalmente quando afeta interesses e relações há muito estabelecidos”, relatou.

Fonte: ABTLP